Quiet quitting : mais uma ameaça das redes sociais na sua carreira, ou a exposição de um velho problema?

Quiet quitting: o abandono silencioso

por Adson Naccarati 

Se você já se deparou com o termo Quiet Quitting, pode ter tido a mesma reação que eu tive quando eu li a primeira matéria sobre esse assunto há cerca de 1 ano. Naquele momento, eu tive a nítida impressão de que se tratava de algum fake news ou de alguma pegadinha que anda tanto na moda nas redes sociais. Isto porque esse conceito me parece tão absurdo quanto o desafio da baleia azul e outros tantos problemas que a internet traz para crianças e adolescentes plugados. 

Parece que agora a moda de autodestruição que circulava principalmente entre os adolescentes conectados, abriu uma vertente para o mundo corporativo. 

E para que isso funcione, nada melhor do que pegar um velho hábito, principalmente em tempos onde  a opção do fracasso parece cada dia mais aceitável e até encorajável.

Indo direto ao ponto: o Quiet Quitting nada mais é do que diminuir o ritmo de trabalho, se descompromissar com resultados, sob a justificativa de que você não está satisfeito com o seu emprego ou a sua colocação, ou mesmo achar que merece mais em termos de salário.

Se pareceu absurdo para você, bem-vindo ao conjunto das pessoas que procura sempre ter uma explicação lógica para as coisas.

Eu não conheço nenhum momento na história recente ou passada, dentro do mundo corporativo ou não, uma case de sucesso que começa com uma auto sabotagem,  criando uma imagem de pouca competência.

É mais ou menos assim: "eu acho que ganho pouco então eu vou trabalhar mal." Ou da maneira politicamente correta "vou trabalhar o suficiente para o quanto eu ganho".

As implicações lógicas decorrentes desse movimento não são outras a não ser uma completa desvalorização da mão de obra, que vê algum sentido nesse tipo de atitude. Em que mundo um profissional será reconhecido virando as costas para resultados? Ou ao seu comprometimento, com o que foi um dia sua escolha de trabalho?

Em um artigo da Harvard Business Review de setembro de 2022 destinado a explicar este fenômeno do abandono silencioso (Quiet Quitting) para executivos preocupados, os professores Anthony C. Klotz e Mark C. Bolino observaram: “Os desistentes silenciosos continuam a cumprir suas responsabilidades principais, mas estão menos dispostos a se envolver atividades conhecidas como comportamentos de cidadania: chega de ficar até tarde, de chegar cedo ou participar de reuniões não obrigatórias”

É bem verdade que isso pode ser uma moda passageira, aliás acredito até que seja, pois esse tipo de profissional será rapidamente identificado nas suas perspectivas organizações, pois os olhares atentos de gerentes, de cliente, do mercado ou do próprio RH, farão essa distinção, o que eventualmente aumentará o turn over.

Após a inevitável fase de negação , as reações dos gestores e do mercado sobre o assunto tem sido em cima de 2 atitudes basicamente: a primeira, é de uma gestão que admite isso até certo ponto, tentando com a ajuda de recursos humanos, contornar o problema por meio de processos motivacionais.

A outra reação é efetuar uma demissão silenciosa. O interessante dessa segunda reação, é que não se trata de uma espécie de "resposta à altura", mas uma simples substituição feita de maneira pensada trocando enfim um profissional que perdeu sua qualidade por uma possibilidade  melhor em termos de comprometimento, e por que não dizer, capacidade profissional.

Vale aqui o entendimento de onde começou a surgir esse tipo de reação dos colaboradores. As primeiras observações sobre essa desistência silenciosa começaram a ter registro nas áreas de tecnologia e principalmente nas equipes de alto desempenho dentro da área de TI.

Creio que a explicação basica, é que esse tipo de profissional tem uma interação quase que obrigatória em relação às redes sociais, ficando  mais exposto às influências e idéias, potencializado também, pelo fato de que sua substituição é sempre demorada e difícil, dando a falsa impressão de que essa desistência silenciosa lhe traz algum tipo de benefício (não sei, talvez conforto... o que eu ganho por me anular?)

Outra linha de pensamento, já imagina que esse tipo de atitude, é uma tentativa de chamar a atenção para problemas de anseios profissionais não atendidos, onde o profissional acredita que com o Quiet Quitting, voltará a ser o foco de seu ambiente.

Seja como for, o fato é que o Quiet Quitting vem crescendo e se tornando um problema grande dentro das organizações. Reagir à isso é imprescindível, considerando que, por ser uma prática silenciosa, muitos gestores desatentos (ou reacionários) potencializarão os problemas reagindo de maneira errada e criando mais problemas do que soluções em relação ao assunto.

Vamos entender uma coisa: embora essa atitude tenha sido identificada agora e esteja criando seguidores, o conceito não tem nada de novo. Quem nunca ouviu aquela história de que 20% das pessoas fazem 80% do trabalho? Quem nunca ouviu ou mesmo presenciou aquele profissional que parece sofrer de problemas gastrointestinais todo dia 30 minutos antes do horário de saída? 

Independente da opinião que você tenha sobre essas coisas, esses conceitos antigos sempre foram atribuídos a pessoas pontuais, o que gerações anteriores chamavam de enroladores de trabalho. A diferença para o Quiet Quitting, é que os profissionais que estão tendo esse tipo de reação estão sendo identificados como aqueles que sempre foram os mais dedicados, ou os mais comprometidos, e que derrepente, como num passe de mágica, muda radicalmente de atitude. 

Por este fato, é que o Quiet Quitting está sendo considerado uma patologia social do emprego, e por isso está causando tanta preocupação.

Eventualmente, já se encontram vários profissionais no mercado, psicólogos e psicanalistas  debruçando-se sobre o problema e buscando técnicas ou uma linha de conduta para apoiar essas pessoas e combater esta patologia.

Seja como for, a relação com o profissional que está tendo reações de abandono silencioso, deve ser feita de maneira muito bem pensada. Devemos nos lembrar que estamos em uma geração de profissionais que canalizaram as suas fontes de motivação em likes e curtidas. 

Esses mesmos profissionais estão testemunhando pessoas com quase nenhum tipo de preparo profissional alcançarem níveis de sucesso invejável por realizar coisas bizarras na internet. Talvez essa geração ainda não tenha criado os anticorpos suficientes para responder às questões mais relevantes quando se pensa no futuro. Questões como decidir se você será um advogado ou um médico, ou simplesmente vai fazer caretas com seu cachorro em lives e alcançar o estrelado...

A solução

Também nem tudo o que diz respeito a esse assunto é culpa exclusiva da internet ou mesmo do profissional que está entrando no mercado nessa hora. Como tudo na vida, não existe apenas um culpado ou responsável, o abandono silencioso muito provavelmente é o resultado de vários vetores incluindo o próprio gerador de emprego. Tudo regado ao molho do COVID.

Uma verdade é que o trabalho tem que ser satisfatório. 

Erra o gestor que acha que sua equipe está lá para receber salário e ir embora, sendo que, se as condições financeiras forem boas, tudo está bem. Se você quer gerir uma equipe de alto desempenho você tem que tratar dessa equipe. O líder atual entende que ele deve apoiar a equipe e preocupar-se com assuntos paralelos que afetam direta e indiretamente os seus resultados. Se a equipe tem um trabalho a fazer o líder deve garantir que todas as melhores condições estão à disposição dessa equipe. Isso inclui a satisfação com o trabalho, o ambiente, as relações pessoais, e tudo aquilo que os profissionais de RH vem falando há anos.

A outra verdade é que o profissional tem que ser satisfatório.

Em outras palavras, você deve ser um profissional melhor do seu ponto de vista. Uma característica dos profissionais que hoje estão realizando esse abandono silencioso, é uma pré-disposição forte e clara para que isso se transforme numa depressão. Pense bem: o abandono silencioso cria a imagem de incompetência, tanto para o ambiente da organização como para você mesmo. 

Existem várias maneiras de você se motivar, mas todas começam no reconhecimento de suas próprias qualidades. Se é verdade que não existem pessoas perfeitas, o mesmo pode-se dizer de defeitos. Todos temos talentos e qualidades, e isso difere de um para outro, e aí é que está a grande força de uma sociedade, onde uns completam e apoiam os outros.

Conclusão: o que fazer

O Quiet Quitting não tem nenhuma vantagem e não traz nada de útil. É ruim para as organizações, é ruim para a sociedade e principalmente é péssimo para o indivíduo.

Por mais que as redes sociais mudem de opinião, criem modas, criem soluções, ou criem problemas, a lei da gravidade continua a mesma. O Sol continua quente, e você tem que comer alguma coisa para continuar saudável.

Tendo isso sempre como pano de fundo, lembre-se que resultados sempre devem ser reais, até mesmo no mundo virtual. O abandono silencioso tem seus dias contados pela simples razão de que ele não traz resultado. Mas como toda patologia, antes de ir embora deixará algumas vítimas para trás, e neste caso invariavelmente serão bons profissionais, que acreditaram que piorar era uma boa idéia de melhoria.

Os melhores remédios que têm sido reportados para combater o Quiet Quitting estão relacionados à qualidade de vida e trabalho, como por exemplo:

1- respeite-se e respeite seu profissional. Trabalho é trabalho, descanso é descanso. Evite trabalhar nos seus feriados e nos seus dias de folga, isso inclui troca de e-mails e mensagens e qualquer outra ideia que te traga novamente ao ambiente de trabalho. Até o Super-Homem tem problemas com kryptonita...

2- metas são metas e sonhos são apenas sonhos. Proponha para si próprio e para a sua equipe somente coisas possíveis, valores possíveis, enfim, objetivos alcançáveis. Achar que sonhos são metas é o caminho da frustração e da desistência.

3- elogiar é grátis, pagar mais não é, mas vale a pena. É incrível que ainda no ano de 2022 eu escute dentro das organizações pessoas dizendo que elogios geram pedidos de aumento. Acredite em mim, pode elogiar o quanto você quiser, isso faz bem, é grátis e evita um monte de problemas. Quanto à pagar mais, evidentemente se isso for possível, sempre traz bons resultados. Já ouviu falar na pirâmide Maslow?

4- Por fim, tudo tem seu limite. Se você é um gestor e um colaborador simplesmente abraçou a ideia do abandono silencioso, talvez seja a hora da separação. Isto porque ele pode influenciar negativamente pessoas que estão em um momento melhor, além de que este próprio colaborador está em sofrimento com seu trabalho. É duro mas é uma realidade. E isto se aplica também do outro lado da moeda, se você não consegue mais se sentir bem com o seu trabalho.

Quero terminar esse artigo de dizendo uma coisa: os problemas sempre existiram e sempre vão existir, nós somos máquinas de resolver problemas. A natureza nos preparou para isso há milhares de anos, então, não tente desesperadamente não ter problemas. Resolva-os. Você consegue.

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